quinta-feira, 15 de setembro de 2011

No tempo da minha infância

No tempo da minha infância
Ismael Gaião

No tempo da minha infância / nossa vida era normal
Nunca me foi proibido / comer açúcar ou sal
Hoje é bem diferente, / sempre alguém ensina a gente
Que comer tudo faz mal.

Bebi leite natural / da minha vaca Quitéria
E nunca fiquei de cama / com uma doença séria
As crianças de hoje em dia / não bebem como eu bebia
Pra não pegar bactéria.

Comi ovo à vontade / sem ter contra-indicação
Pois o tal colesterol / pra mim nunca foi vilão
Hoje a vida é uma loucura, / dizem que qualquer gordura
Nos mata do coração.

Com a modernização / quase tudo é proibido
Pois sempre tem uma lei / que nos deixa reprimido
Fazendo tudo que eu fiz. / Hoje me sinto feliz
Só por ter sobrevivido.

Vi o meu pai dirigir / numa total confiança
Sem apoio, sem air-bag / sem cinto de segurança
E eu no banco de trás, / solto, como os demais
Fazia a maior festança.

No meu tempo de criança / por ter sido reprovado
Ninguém ia ao psicólogo / nem se ficava frustrado
Quando isso acontecia, / a gente só repetia
Até que fosse aprovado.

Não tinha superdotado / nem a tal dislexia
E a hiperatividade / é coisa que não se via
Falta de concentração / se curava com carão
E disso ninguém morria.

Nesse tempo se bebia / água vinda da torneira
De uma fonte natural / ou até de uma mangueira
E essa água engarrafada, / que diz-se esterilizada
Nunca entrou na nossa feira.

Nunca fui envenenado / com as tintas dos brinquedos
Remédios e detergentes / se guardavam, sem segredos
E descalço, na areia, / eu joguei bola de meia
Rasgando as pontas dos dedos.

Aboli todos os medos / apostando umas carreiras
Em carros de rolimã / sem usar cotoveleiras
Pra correr de bicicleta / nunca usei, feito um atleta,
Capacete e joelheiras.

Entre outras brincadeiras / brinquei de Carrinho de Mão
Estátua, Jogo da Velha, / Bola de Gude e Pião
De mocinhos e caubóis / E até de super-heróis
Que vi na televisão.

Com anzol e jereré / muitas vezes fui pescar
E só saía do rio / pra ir pra casa jantar
Peixe nenhum eu pegava, / mas os banhos que eu tomava
Dão prazer em recordar.

Tomava banho de mar / na estação do verão
Quando papai nos levava / em cima de um caminhão
Não voltava bronzeado, / mas com o corpo queimado
Parecendo um camarão.

O meu cachorro comia / o resto do nosso almoço
Não existia ração / nem brinquedo feito osso
E para as pulgas matar, / nunca vi ninguém botar
Um colar no seu pescoço.

Fui feliz a vida inteira / sem usar um celular
De manhã ia pra aula, / mas voltava pra almoçar
Mamãe não se preocupava, / pois sabia que eu chegava
Sem precisar avisar.

Comecei a trabalhar / com oito anos de idade
Pois o meu pai me mostrava / que pra ter dignidade
O trabalho era importante / pra não me ver adiante
Ir pra marginalidade.

Mas hoje a sociedade / essa visão não alcança
E proíbe qualquer pai / dar trabalho a uma criança
Prefere ver nossos filhos / vivendo fora dos trilhos
Num mundo sem esperança.

A vida era bem mais mansa, / com um pouco de insensatez.
Eu me lembro com detalhes / de tudo que a gente fez,
Por isso tenho saudade / e hoje sinto vontade
De ser criança outra vez.

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